Arrancaram para o Norte, em carros particulares, na véspera do FC Porto-Sporting. O programa incluía jantar e noitada de copos como aquecimento para a exibição do dia seguinte: o 'assalto' ao Estádio do Dragão.
A eles se juntaram, já no Porto, outros elementos residentes naquela zona do país e alguns que saíram de Lisboa no próprio dia do clássico. Ao todo, uma centena de adeptos do grupo Sporting Casuals, unidos pelo objectivo de fazer sentir uma presença destemida no 'coração' da Invicta - desde a Alameda das Antas até ao estádio.
“Foi um marcar de posição, especialmente contra a máfia do Porto, que tem vindo a dominar o futebol português, nem sempre pela qualidade do seu futebol”, diz ao SOL um adepto leonino, presente no local com um amigo casual que acabou por se juntar aos outros quando estalou a confusão.
Vestidos com cores escuras, sem adereços clubísticos visíveis, os casuals percorreram dois quilómetros sem qualquer controlo policial, entoando cânticos numa atitude desafiadora. À medida que se aproximavam do estádio, aceleraram o passo e instalaram o pânico entre os adeptos que se encontravam nos arredores do recinto.
“A intenção era chegar ao território inimigo sem serem detectados, ser-lhes reconhecida a coragem de ali terem ido e confrontarem o adversário. E pouco importa se dão ou se levam”, confirma ao SOL fonte policial, sobre os desacatos do clássico de 27 de Outubro.
Enquanto os spotters da PSP estavam concentrados nas claques e o Corpo de Intervenção aguardava pela chegada dos autocarros das equipas, os casuals irrompiam pela Alameda das Antas deixando um rasto de destruição nas habituais barracas de venda de t-shirts e cachecóis.
Estava aceso o rastilho de uma rixa que rebentou duas horas antes do jogo. Sem Polícia por perto, os Super Dragões entraram em cena, agredindo a soco e pontapé muitos dos 'invasores', que depois furaram o perímetro de segurança para se refugiarem e acabaram também por forçar a entrada no estádio, ainda fechado àquela hora (17h45).
“As coisas foram um pouco mal planeadas. Eles quiseram ir por ali adentro, mas algo correu mal. Separaram-se e acabaram por ser apanhados pelos Super Dragões”, relata o mesmo adepto leonino, que assistiu a tudo e viu o amigo casual ser levado pela Polícia para ser identificado.
Não se sabe ao certo se o confronto físico com os Super Dragões fazia parte dos planos. Dentro dos Sporting Casuals correm duas versões: há quem acuse os adeptos portistas de terem precipitado o caos ao lançarem pedras e garrafas de um viaduto e há os que admitem ter enfurecido a claque 'azul e branca' depois de vandalizarem o quiosque do líder dos Super Dragões, Fernando Madureira.
Certo é que um grupo de adeptos conseguiu romper as barreiras de segurança no exterior de um estádio de futebol, sem que a Polícia o impedisse. Os primeiros agentes do Corpo de Intervenção só apareceriam no local minutos depois, para dispersar os últimos desordeiros.
Foi a primeira vez que um conjunto de adeptos desta natureza chegou tão longe. Ao que o SOL apurou, durante a preparação do clássico, a PSP tomou conhecimento de alguma movimentação de um pequeno grupo, mas a situação terá sido desvalorizada, o que contribuiu para o efeito surpresa e para a anarquia nas imediações do estádio. E um grupo que se pensava residual afinal apareceu em força. No final, a Polícia identificou 99 adeptos, cerca de 80 pertencentes aos Sporting Casuals. Não envergavam símbolos do clube, mas alguns escondiam cachecóis debaixo dos casacos e tinham bilhete para assistir ao jogo.
A verdade é que este grupo está há muito referenciado pela Unidade Metropolitana de Informações Desportivas da PSP. Em 2011, já tinha tentado chegar ao Estádio da Luz sem escolta policial. E mais recentemente, em Março deste ano, fez nova tentativa, também no trajecto de Alvalade para o reduto do Benfica. Só que em ambos os casos a Polícia conseguiu interceptá-los antes de entrarem em território adversário.
“Alguns são sobejamente conhecidos por terem pertencido ou ainda pertencerem à Juve Leo e são vistos na bancada em todos os jogos, seja em Alvalade ou fora. E por isso é que os conhecemos, já que normalmente não andam identificados com as cores do clube. Mas há outros que desconhecemos e que podem ser de outras claques”, diz fonte policial, acrescentando que parte dos adeptos que aderiram ao movimento casual identificam-se com a extrema-direita - alguns estiveram ligados ao grupo 1143, de apoio ao Sporting, onde Mário Machado iniciou o contacto com o movimento skinhead neonazi.
Apesar disso, a Polícia não estabelece uma correlação estreita com a extrema-direita, já que muitos dos casuais não têm motivação ideológica. A maioria destes adeptos não são violentos no dia-a-dia: “São pessoas integradas na sociedade, não têm antecedentes criminais além dos ligados ao desporto, e têm empregos estáveis, alguns até cargos de relevo - desde empresários a oficiais das Forças Armadas”.
Todos do sexo masculino, têm entre 20 e 40 anos e a maioria pertence à classe média. Sobretudo os de pendor nacionalista, vestem roupas de marca, mas não há regras de indumentária definidas.
O SOL sabe que pelo menos três outros grupos de casuais estão identificados pela Polícia: um ligado ao Benfica, outro ao FC Porto e outro ao Belenenses. Muitos destes adeptos estão referenciados por terem participado em acções de violência associada ao desporto, especialmente rixas, ofensas à integridade física, danos e posse ou utilização de engenhos pirotécnicos (os chamados petardos).
Segundo uma investigação de Salomé Marivoet, socióloga e professora na Universidade Lusófona, os adeptos casuals, de um modo geral, demarcam-se de outros grupos radicais por apostarem “na premeditação estratégica”, com recurso às redes sociais “para marcação das suas acções de confrontação”.
No mesmo trabalho, intitulado 'Subculturas de adeptos de futebol e hostilidades violentas - O caso português no contexto europeu', Salomé Marivoet sublinha que esta forma de agir diferencia os casuals dos grupos ultras, nos quais se enquadram claques como os Super Dragões. Estes “tendem a entrar na confrontação num espírito de grupo, quando afrontados”, não havendo tanta tendência para acções planeadas: “Será sobretudo o momento que cria a oportunidade de luta, e regra geral não a deixam perder, já que se sentem impelidos a vingar a honra das cores que defendem”.
Foi o que aconteceu no Dragão. A investida planeada pelos Sporting Casuals gerou uma resposta imediata dos Super Dragões. Nas imagens televisivas é possível ver adeptos portistas a aproveitarem o desnorte da coluna de negro para retaliarem com agressões. E também é possível ver Fernando Madureira a despir a camisola a um casual leonino, o que é considerado entre adeptos rivais como um troféu.
Mas se a acção premeditada e as roupas escuras - muitas com capuzes incluídos - colocam os casuals do Sporting em linha com o fenómeno lá fora, a socióloga também detecta diferenças. A começar pela 'ousadia' de se mostrarem num local vigiado por polícias, quando a norma seguida no estrangeiro é combinar rixas em sítios mais discretos, longe dos olhares das autoridades.
Para Salomé Marivoet, a 'invasão' do estádio portista é uma acção mais próxima da cultura ultra, “caracterizada pelo estilo de guerrilha urbana, ataque em grupo e retirada num ambiente de afronta”, diz ao SOL, salientando ainda os “actos de vandalismo” como uma acção mais típica dos ultras.
Esta mistura de influências resulta de um grupo heterogéneo, sem liderança e que terá sido criado há pouco mais de dois anos. Ao contrário das claques organizadas, os Sporting Casuals não têm um staff dedicado a preparar os jogos durante toda a semana. Funcionam como um grupo de amigos, aberto a quem queira participar, e por isso conta não só com elementos da Juve Leo mas também da claque Torcida Verde. Costumam sentar-se na parte superior do topo sul do Estádio de Alvalade e o número de seguidores tem vindo a crescer devido ao bom momento que o clube atravessa.
O SOL tentou contactar quatro casuals do Sporting, mas a única resposta chegou via Facebook, com uma remissão para um texto publicado no blogue do advogado João Nuno Rodrigues. Inscrito na Ordem dos Advogados desde 2006, este assumido adepto leonino, presente no clássico do Dragão, confirma ao SOL que viu os apoiantes do FC Porto “atirarem pedras e garrafas aos do Sporting na chegada ao viaduto da Alameda”, como descreve no texto. E acrescenta que a situação se repetiu no final do jogo.
No blogue, João Nuno Rodrigues dá como um facto que os adeptos do Sporting “eram portadores de bilhete” e denuncia a “cumplicidade entre conhecidos adeptos do FC Porto e agentes da autoridade”, uma realidade que classifica de “clara e visível” e que o leva a concluir que os adeptos 'azuis e brancos' foram “tratados como indivíduos acima da lei e a quem tudo é permitido”. Para o advogado, que faz uma análise jurídica dos acontecimentos, “um grupo de adeptos a dirigirem-se para o estádio não é crime, o que é crime é o arremesso de pedras e garrafas na sua direcção”.
As autoridades têm consciência de que a violência no Estádio do Dragão pode repetir-se. Nas redes sociais as ameaças entre adeptos são constantes. “É provável que outros casuals queiram tomar posição. Mas se sentirem uma constante pressão da nossa parte, estarão mais contidos”, diz outra fonte policial.
A prevenção é agora a prioridade. Muito do trabalho dos spotters e dos agentes de investigação criminal da PSP passa por monitorizar ao milímetro fóruns e sites na internet, identificar os que ainda são desconhecidos e manter sob vigilância os adeptos já referenciados.
Nos jogos, o dispositivo policial também será reforçado, à semelhança do que aconteceu no dérbi lisboeta do último sábado. Graças à rápida intervenção de uma equipa de agentes, evitou-se o confronto entre casuais do Benfica e os adeptos do Sporting que seguiam sob escolta policial para o Estádio da Luz.
Para as autoridades, quanto menos se falar no assunto melhor. Temendo um efeito mimético e já a pensar no duelo de alto risco entre Benfica e FC Porto, no início de Janeiro, a Polícia tem recusado prestar mais declarações oficiais. Também o Sporting-FC Porto de Março promete dar muito trabalho às forças de segurança: segundo o SOL apurou, os casuals leoninos não põem de parte uma vingança, ao mesmo tempo que esperam uma retaliação por parte dos Super Dragões.
Jornal Sol
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